Há cerca de seis anos, moradores do Jardim Matarazzo, bairro na zona
leste de São Paulo, deram suas rubricas a um abaixo-assinado
reivindicando uma nova estação da CPTM próxima a suas casas. O
empreendimento reduziria a caminhada de dois quilômetros para se chegar
às estações Comendador Ermelino ou São Miguel Paulista, na linha
12-Safira. Em vez de uma conquista, o projeto da estação de trem União
de Vila Nova se tornou uma ameaça, para os mais de mil moradores que
vivem próximos à linha férrea.
O croqui prevê que a nova estação e seu paisagismo ocupem o espaço de
três ruas paralelas, onde os moradores calculam que vivem 400 famílias,
em diferentes situações mobiliárias.
"A gente assinou (a reivindicação) para ser desapropriado", disse José
Nunes, 53 anos, há 15 dono de uma casa que pode ser tomada pelo novo
empreendimento da CPTM. Nas três ruas, casas de alvenaria que foram
construídas há até 40 anos dividem espaço com barracos de uma ocupação
de cerca de duas décadas beirando a linha do trem. No local, há imóveis
que estão em área irregular; outros em situação regular, mas que não
possuem escritura; e outros, como o de Nunes, que estão regulares e com
escritura.
"Falam que vão tirar a gente daqui há tantos anos já. Não sei se um dia
vai acontecer mesmo", afirmou Paulo Araújo, 25 anos, inquilino de uma
casa na Rua Urutu desde 2007. "Até agora, não recebemos nenhuma
notificação. Mas eu quero dinheiro. Construí minha casa. Eles que não me
venham com CDHU", disse o ex-mestre de obras Aparício Rosário de
Oliveira, há 40 anos morador do bairro.
A 150 metros das vielas onde deve ser erguida a estação da CPTM, uma
praça, se estendendo da Avenida Doutor Assis Ribeiro até o muro que
guarda a linha férrea, é usada como passagem por moradores da União de
Vila Nova e do Jardim Pantanal. Abandonado, com entulho espalhado por
várias partes e com a grama alta, fica difícil notar que o espaço abriga
um dos mais antigos patrimônios históricos da cidade – a casa sede do
Sítio Mirim, que serviu, de acordo com documentos do Iphan (Instituto de
Patrimônio Histórico, Artístico Nacional), como morada do guarda-mor
Francisco Godoy Preto, importante bandeirante paulista nos anos 1750.
Construída no século XVII em taipa de pilão, a casa sede está em estágio
avançado de deterioração e foi tombada pelas esferas federal, estadual e
municipal. Sua importância arquitetônica está na disposição da planta,
diferente do padrão das casas bandeiristas do período, por apresentar
uma área interna dividida em pequenos ambientes e uma varanda em forma
de “L” ao longo de duas fachadas consecutivas. Devido a depredações e à
falta de uma cobertura que proteja as ruínas das intempéries, restam
apenas cerca de 25% do que um dia foi o sítio. Os remanescentes, que,
segundo estudos, guardam um sítio arqueológico subterrâneo, estão, na
teoria, protegidos pelos tombamentos. Nada pode ser construído em um
raio de 300 metros das ruínas. Essa determinação foi o principal motivo
para a estação da CPTM não estar integrada à praça, como gostariam os
moradores, mas sim no lugar onde hoje estão suas casas.
Reuniões Um grupo de moradores que tomou a frente da questão e buscou a
CPTM para ter respostas sobre o futuro de suas moradias foi recebido
diversas vezes por técnicos da companhia. Em um primeiro momento, a
reivindicação era a revisão do projeto e a mudança do local de
construção. Como essa demanda não foi atendida, os moradores passaram a
lutar para que o número de desapropriações e remoções fosse o menor
possível. "O que notamos é que cinco das residências que estavam no
pacote anterior de demolição não estão mais", afirmou Nunes.
Na última reunião, realizada em outubro deste ano, os moradores
questionaram a logística da desocupação, os critérios de avaliação dos
imóveis e a política de habitação e o cadastramento dos moradores em
programas como o CDHU. Também exigiram um prazo para a notificação das
famílias, que, há dois anos, não fazem reparos e manutenções em suas
residências por medo da desapropriação.
O grupo chegou a entregar uma carta ao governador Geraldo Alckmin (PSDB)
pedindo um canal de comunicação mais aberto com a CPTM. "Reafirmamos
que somos a favor da nova estação de trem. Porém, solicitamos que a CPTM
seja transparente com os moradores, já que não queremos uma relação
conflituosa", diz a carta.
Segundo os moradores, nas reuniões, a CPTM responde com a garantia de
que a desapropriação obedecerá a legislação e que a comunidade será
informada no momento oportuno. "Só eles podem decidir o que fazer com
nossas vidas, o que reforça a angústia de toda a comunidade do Sítio
Mirim. Estamos reféns do Estado", acrescenta Nunes.
Alguns moradores relataram que a angústia aumentou a partir de março do
ano passado, quando, sem aviso prévio, funcionários identificados como
sendo da empresa CTAGEO, de engenharia e geoprocessamento, entraram em
cada uma das casas para fazer medições e tirar fotografias. De acordo
com os moradores, os funcionários alertaram os proprietários para que
não fizessem reparos em suas residências devido à provável remoção.
"Falaram: 'não pinte, não quebre, não faça nada'. Como se a casa já
fosse deles", afirmou Maria Elizabette Mosquetto, 54 anos. "Esse é meu
povo, meu bairro. Eu vi crescer isso aqui", acrescentou a gestora do
posto de saúde, moradora desde 1985. Procurada pela reportagem, a
empresa não se pronunciou.
De acordo com a CPTM, as obras devem começar no ano que vem. O processo
de licitação encontra-se na fase de pré-qualificação das empresas
interessadas em executá-la, ao custo previsto de 50 milhões de reais.
Segundo a companhia, durante o processo de aprovação do projeto pelos
órgãos do patrimônio histórico, devido à presença do Sítio Mirim, foi
estabelecida a criação de uma praça em frente ao acesso sul da Estação, o
que resultou em um acréscimo de 37% da área de desapropriação. O
empreendimento, que pretende atender 12 mil passageiros por dia, terá
7,7 mil m². Segundo a CPTM, haverá "a necessidade de remoção de cerca de
126 unidades habitacionais. Desse total, 39 constituem lotes a
desapropriar, sendo 31 de ocupação regular e 8 ocupados irregularmente,
por invasão. As outras 87 unidades habitacionais ocupam irregularmente
lotes particulares e áreas de logradouros públicos municipais".
Questionada sobre o prazo das desapropriações, a companhia afirmou que o
cadastro socioeconômico sobre as famílias do local ainda será
realizado, em conjunto com a CDHU e com a Prefeitura de São Paulo. Assim
como respondeu aos moradores, a companhia afirma que o processo de
desocupação obedecerá a legislação, mas não deu um prazo estabelecido
para seu início.
Patrimônio abandonado Não é somente a nova estação de trem que deixa os
moradores do entorno do Sítio Mirim apreensivos. O abandono da praça e
das ruínas pelo poder público tornou, segundo eles, a região mais
violenta. A falta de iluminação transformou o local em ponto de drogas e
moradores relatam que roubos e assaltos se tornaram mais frequentes nos
últimos anos.
No dia em que a reportagem da CartaCapital esteve no local, havia uma
montanha de lixo no meio da praça. Resíduos de plástico descartados
próximos às poucas paredes que permanecem de pé logo foram incinerados,
colocando em risco as ruínas. Nenhuma placa ou indicação dava conta da
importância histórica do espaço, tomado pela grama alta.
O Sítio Mirim foi um dos objetos de estudo da tese de mestrado do gestor
ambiental Danilo Morcelli apresentado este ano à Escola de Artes,
Ciências e Humanidades da USP. Segundo ele, a depredação do sítio foi
intensificada a partir dos anos 1970, quando as telhas e janelas foram
arrancadas para a montagem de barracos de moradores carentes do entorno.
Soma-se a isso a ausência do poder público em proteger os remanescentes
com uma cobertura, para evitar que a chuva desmanche a taipa.
Há um projeto da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, em conjunto com
a Secretaria de Cultura, para a construção de um parque onde hoje está a
praça abandonada. Neste parque, haveria também um centro de convivência
com auditório, ponto de leitura, centro de memória e salas de apoio,
além da cobertura das ruínas. Eles ainda permanecem no papel.
Por meio de sua assessoria, a Secretaria do Verde afirmou que caberá a
ela entrar com o decreto de criação e o cercamento. A previsão é que as
obras tenham início no primeiro semestre de 2014. Em relação ao centro
de convivência e da cobertura, a Secretaria de Cultura afirma que não há
um prazo para a construção da estrutura e que o projeto ainda depende
da aprovação do Conpresp. "Esse modelo periférico que a cidade produziu foi
particularmente prejudicial ao patrimônio. No centro da cidade de São
Paulo tem certos elementos, como o Teatro Municipal, que estão muito bem
preservados. São frequentados, inclusive por gente do poder público. E
isso impede uma ação mais danosa", disse Morcelli.
Para o gestor, que participa de um núcleo de memória da zona leste, a
preservação do patrimônio histórico das cidades é fundamental para uma
construção sólida da identidade do espaço e das pessoas que nele
circulam. "Pessoas sem identidade não conseguem questionar aquilo que
lhes é imposto. Sem a identidade, sem vínculo, se tornam manipuláveis
por interesses de mercado", pontuou. "Nessa noção de que tudo é novo,
tudo pode se transformar, tudo é descartável, se perdem técnicas,
saberes e referências culturais também."
Fonte da
Notícia: Revista Carta Capital
DESEJAMOS A TODOS UM FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO 2014
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