Os trens de passageiros intermunicipais se preparam para voltar a
circular em pelo menos nove Estados onde há projetos em estudo. A
intenção na maioria dos casos é aproveitar trechos de ferrovias de
cargas já existentes para o transporte de passageiros em trens de média
velocidade. Os projetos preveem operação pela iniciativa privada e
tarifas que concorram com as de ônibus, com a intenção de desafogar as
rodovias.
Ao todo são 1,9 mil quilômetros nos chamados "trens regionais" que
têm previsão de começar a sair do papel no próximo ano. O Ministério dos
Transportes possui desenhos avançados de seis trechos, a
Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) estuda duas
linhas na região de Brasília, o governo de Minas Gerais, três, e o de
São Paulo outras cinco.
Depois de um levantamento do Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), que apontava 64 trechos potenciais de
ferrovias que poderiam receber passageiros, o Ministério dos Transportes
escolheu 14 trechos prioritários para estudos em 2011. Depois de dois
anos, seis estão em execução pelo órgão e um pelo governo de Minas
Gerais e devem ser concluídos até o fim do primeiro semestre. Depois dos
estudos, serão feitas consultas públicas e a intenção do Ministério dos
Transportes é lançar os editais até o fim do ano para que as obras
comecem no início de 2014. Os trechos mais adiantados são da ligação
Londrina-Maringá, no Paraná, e de Bento Gonçalves-Caxias do Sul, no Rio
Grande do Sul, que já tiveram os estudos concluídos e terão audiências
públicas no mês que vem para ouvir os moradores e governos locais sobre
os projetos.
De acordo com Euler Costa Sampaio, coordenador dos estudos de trens
regionais de passageiros do Ministério dos Transportes, a operação dos
trens deve ser feita por meio de Parceria Público-Privada (PPP) ou
concessão. "Queremos aproveitar as novas regras do setor ferroviário,
que instituiu o direito de passagem nas ferrovias de carga", diz. Em
alguns trechos, como entre Londrina e Maringá, a intenção é duplicar a
via, já que o tráfego de cargas na região é pesado devido a proximidade
com o Porto de Paranaguá. Os estudos vão apontar se a demanda é
suficiente para viabilizar uma linha só para passageiros, diz Sampaio. A
estimativa de demanda chega a 36 mil passageiros por dia e a 13 milhões
de passageiros por ano.
Outro desafio dos trens regionais será a chegada dentro das cidades,
em locais em que possa haver integração com o transporte municipal. "Tem
de ter qualidade e acessibilidade para concorrer com ônibus. As tarifas
devem ser similares às do transporte rodoviário", comenta o técnico do
Ministério dos Transportes.
Há casos como a ligação de Salvador a Alagoinhas, na Bahia, em que o
estudo que ficará pronto em junho vai apontar a viabilidade da extensão
de 40 quilômetros da linha férrea até Feira de Santana. Com 568 mil
habitantes, a cidade é a segunda mais populosa do Estado e é ligada a
Salvador pela BR-324, que registra tráfego intenso de transporte de
pessoas e cargas.
Outro trecho destacado por Sampaio é o da ligação São Luís-
Itapecuru-Mirim, no Maranhão, onde está sendo montado o maior polo
petroquímico do Nordeste.
Além dos seis trechos com estudos já iniciados, o Ministério dos
Transportes prevê contratar estudos para outros sete trechos: São
Cristóvão - Laranjeiras (SE), Recife - Caruaru (PE), Campos - Macaé
(RJ), Itajaí - Rio do Sul (SC), Campinas - Araraquara (SP), Santa Cruz -
Mangaratiba (RJ), e Bocaiúva - Janaúva (MG).
Os projetos preveem que os trens atinjam de 80 a 140 quilômetros por
hora para encurtar, em alguns casos, o tempo de percurso atual. É o caso
do trecho entre Brasília e Goiânia que teria viagens de 50 minutos,
enquanto as de carro e ônibus duram de duas a três horas. O trecho é
estudado pela Sudeco. A linha seria de uso misto, sendo aproveitada para
transporte de cargas, com ligação da Ferrovia Norte-Sul em Anápolis
(GO), onde está prevista uma parada.
O diretor-superintendente da Sudeco, Marcelo Dourado, ressalta que 6
milhões de pessoas moram no entorno da futura linha e devem ser
beneficiadas pelo novo modal de transporte. Ele destaca ainda que haverá
melhora no escoamento de produção do agronegócio. A região concentra o
segundo Produto Interno Bruto (PIB) meso-regional só perdendo para
Rio-São Paulo.
"Essa ligação mais rápida vai incentivar a industrialização e a
conurbação da região", acredita Dourado. Os estudos estão sendo
concluídos e a intenção do órgão é que a licitação ocorra até o fim do
ano, as obras comecem em 2014 e sejam concluídas em até sete anos. O
custo estimado é de R$ 1 bilhão. A Sudeco estuda ainda a ligação entre
Brasília- Luiziânia (GO), onde já existe linha férrea e seria necessária
adaptação para o trem de passageiros. "Essa seria uma intervenção mais
rápida e barata. Seriam necessários dez meses e R$ 90 milhões de
desembolsos para viabilizar a linha", afirma Dourado. O trecho seria
atendido por um Veículo Leve sobre Trilho (VLT). De acordo com o
superintendente da Sudeco, os dois projetos têm chegada prevista na
rodoferroviária da capital federal e devem desafogar as rodovias do
Distrito Federal.
O governo federal prevê ainda estudos de um trem ligando as cidades
do Triângulo Mineiro e outro mais ousado, da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que planeja o "Trem da Costa
Dourada", linha de 2 mil quilômetros ligando Salvador ao Delta do
Parnaíba (PI) pelo litoral, passando pela maioria das capitais do
Nordeste. Apesar do apelo turístico do projeto até mesmo os estudos
encontram dificuldade para sair do papel. "O Ministério do Turismo tinha
se comprometido a bancar, mas ainda não conseguimos a liberação da
verba. Agora estamos negociando com o governo espanhol para financiar os
estudos", diz o superintendente da Sudene, Luiz Gonzaga Paes Landim.
Ele garante que o trem é viável e afirma que o projeto poderia ser
"fatiado", com início nos trechos de maior apelo turístico como Salvador
-Praia do Forte (BA), Recife-Porto de Galinhas (PE), Natal-Praia da
Pipa (RN) e Fortaleza-Canoa Quebrada (CE).
Para o coordenador de transporte de passageiros do Laboratório de
Transportes e Logística (LabTrans/UFSC), Rodolfo Philippi, os projetos
atuais estudados pelo Ministério dos Transportes terão viabilidade
reforçada pelo transporte urbano, uma vez que o aproveitamento de linhas
já existentes vai possibilitar estações no centro das cidades. "Em
locais maiores como Londrina, Maringá e Caxias do Sul poderá haver mais
de uma estação incentivando o locomoção das pessoas dentro das cidades",
diz.
Já o presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária
(Abifer), Vicente Abate, recorda que nas décadas de 60 e 70 os trens de
passageiros chegaram a transportar 100 milhões de passageiros por ano.
"Com o desinvestimento do governo na rede, os trens de passageiros foram
perdendo competitividade e começaram a ser desativados e foram
substituídos pelo transporte de rodovias. Agora devemos ter novo momento
de retomada do setor", considera.
Hoje, apenas duas linhas férreas recebem transporte de passageiros no
país: a Estrada de Ferro Carajás, entre São Luís-Carajás (PA), e a
Estrada de Ferro Vitória-Minas entre Vitória e Belo Horizonte. Ambas são
mantidas em projetos sociais da Vale e movimentam juntas 1,5 milhão de
passageiros por ano.
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